A Negação do Racismo no Brasil com Novas Roupagens

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No dia 15 de janeiro de 2022, o antropólogo Antonio Risério publicou, no jornal Folha de São Paulo, um artigo intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”. O texto não apresenta uma análise sociológica, mas um posicionamento contra um campo político e intelectual antirracista. Não apresenta rigor científico e confunde conceitos sociológicos básicos – dominação, poder, resistência e racismo. Além disso, faz uso de acontecimentos sociais de forma descontextualizada e sem um referencial que ajude a entender as dinâmicas das relações opressão/resistência. Ignora um campo de estudos sobre questões étnico-raciais, mesmo fazendo parte dele. Tal fato torna, no mínimo, esquisita a noção de uma inocência no que se refere ao texto e torna difícil acreditar em um possível desejo do debate. Destacamos que o autor pode discordar, mas não ignorar e desmerecer estudos com fundamentação teórica e empírica, como os de Abdias Nascimento, Kabengele Munanga, Sílvio de Almeida e tantos outros.

O texto de Risério tem um tom desrespeitoso e procura deslegitimar intelectuais negros importantes com base na opinião, sem ao menos se ater às obras e às análises dos autores. O texto dele é racista. Trata-se da reelaboração do discurso racista. O racismo tem dimensões políticas, econômicas e ideológicas multifacetadas, complexas e interligadas que só podem ser compreendidas à luz das relações de poder, dominação e resistência. Ao longo da sua história, o racismo foi reelaborado para manter a dominação. As teses da democracia racial e do racismo reverso não parecem tão novas assim. Só que agora o objetivo foi gerar mais confusão, porque o texto anuncia uma crítica a um multiculturalismo liberal que não existe.

Na verdade, o texto serve de guia para um discurso atualizado de negação do racismo no Brasil, a partir da afirmação anticientífica de que não existe racismo porque pretos também são racistas com os brancos. Este discurso pretende ganhar autoridade por ser escrito por alguém do campo político progressista e da área de estudo, o que não é suficiente para autorizar nada, ainda que possa provocar este efeito. O que autoriza é a prática política. O artigo pode virar uma referência para um conjunto de pessoas que não possuem uma educação antirracista e de campos intelectuais e políticos diferentes. Pessoas que são racistas, ainda que não se percebam assim.

Este texto provocou mobilizações contrárias e favoráveis às ideias apresentadas pelo antropólogo. Dentre elas, no entanto, a ADCEFET destaca a carta elaborada pelo PPRER, Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais que, formado por pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam ao tema, não poderia se isentar diante de uma ação tão danosa à luta pela transformação da realidade social brasileira. Por essa razão, registramos nosso apoio ao posicionamento do programa reiterando a relevância dos esclarecimentos propostos no texto desse documento.

São muitos os exemplos diários de racismo no Brasil ainda que nem todos se tornem públicos. De ofensas verbais e práticas discriminatórias a ultrajantes números que ilustram a exorbitante letalidade à qual a população negra é submetida. Como foi o caso dessa semana do repositor de supermercado Durval Teófilo Filho, 38 anos, assassinado por um vizinho, militar da marinha, ao chegar no condomínio onde morava no bairro de Colubandê, em São Gonçalo. Neste cenário, posicionamentos racistas devem ser, explicitamente, repudiados, bem como as manifestações que esbocem qualquer tipo de respaldo a essas ideias.

Não podemos dissociar a publicação do texto de Antonio Risério do contexto político e social em que estamos inseridos. 2022 é o ano em que a Lei 12.711/12, conhecida como “Lei de Cotas”, será revista. Em 2022, também se completará um ano da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, realizada na Favela do Jacarezinho e que deixou 28 mortos. Atualmente, essa comunidade está ocupada por forças de segurança e já registra inúmeras denúncias de violações aos direitos humanos. No Brasil, o espaço e as oportunidades de vida digna são acentuadamente racializados.

É nesse cenário de extrema barbárie que um jovem negro congolês, Moïse Mugenyi, pobre e preto, com trabalho precário, como tantos outros corpos considerados matáveis neste país, foi espancado até a morte, em um quiosque da orla da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Não se trata de um caso isolado, mas de parte de uma rede de práticas racistas que se articulam com agentes do Estado e seus órgãos repressivos e demais instituições sociais e, se manifestam, amparadas, inclusive, por posicionamentos de intelectuais como Antonio Risério, por exemplo.

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