Esclarecimentos sobre retorno presencial

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O Ministério Público Federal moveu ação civil pública (Nº 5072345-69.2021.4.02.5101/RJ) para que os estabelecimentos federais de ensino superior e básico no Rio de Janeiro retornem as aulas presenciais até o dia 18 de outubro, tendo em vista o calendário estadual de vacinação. Nessa ação, os procuradores Fábio Moraes de Aragão e Maria Cristina Manella Cordeiro argumentam que, a despeito da imunização de professores, da flexibilização da quarentena, do funcionamento de atividades de alto risco e do decreto nº 47. 608/21 – que considera a educação como atividade essencial –, as atividades presenciais não foram retomadas nas instituições federais de ensino.

Chama a atenção o argumento dos procuradores de que o direito à saúde não pode ter como consequência a aniquilação de outros direitos, como o direito à educação. Nós concordamos com os procuradores nesse aspecto, mencionando inclusive o descaso do governo federal ao longo de toda a gestão da pandemia que não se preocupou com a ampliação das desigualdades no âmbito educacional, especialmente no que diz respeito ao acesso à internet. Como exemplo, podemos mencionar a publicação da medida provisória que retira o prazo para que o governo repasse R$ 3,5 bilhões para garantir acesso à internet para professores e alunos de instituições públicas de ensino básico. Soma-se a isso, o “apagão” na atual gestão Milton Ribeiro, que comanda o Ministério da Educação, responsável pelo fracasso na condução do Enem, que contou com o maior número de abstenções da história e com alunos que desistiram da prova ao encontrarem salas abarrotadas. Além disso, em uma matéria da revista Piauí , foi divulgada a informação de que, em julho deste ano, o Conselho Nacional de Educação aprovou um parecer com orientações específicas para um retorno seguro às salas de aula, e enviou o documento para o ministro homologar. Até o final daquele mês, os conselheiros não tinham recebido qualquer resposta. Diante dessas informações, devemos salientar que, se existem grupos que desejam atacar o direito à educação, não são os professores do Cefet-RJ, que desde outubro de 2020 estão desenvolvendo atividades não presenciais por meio da modalidade remota, e que enfrentam cotidianamente a ausência de políticas públicas voltadas para dirimir as desigualdades educacionais.

Atualmente, assistimos à vacinação dos adolescentes, um dos públicos-alvo das instituições federais de ensino. O que seria um motivo de comemoração, também é objeto de angústia diante das constantes interrupções do calendário de vacinação pela ausência de doses. Conforme amplamente noticiado, o atraso na compra de vacinas no Brasil e os constantes atrasos na entrega de vacina, têm impossibilitado a imunização completa da população, especialmente dos mais jovens que frequentam a escola. De acordo com o censo escolar de 2020, estamos falando de um universo 47,3 milhões de estudantes, apenas na educação básica. Permitir a volta presencial nas instituições de ensino, sem a imunização completa desse público, pode ter como consequência transformar crianças e adolescentes em vetores de transmissão para os seus familiares e parentes, considerando que 123,5 milhões de residências possuem ao menos uma pessoa com até 17 anos de idade, de acordo com documento do DIEESE. Cabe, portanto, salientar que aqueles que estão de fato preocupados com o direito à educação, deveriam também se preocupar em garantir a imunização completa dos estudantes que vêm enfrentando a angústia da ausência de doses da vacina de forma recorrente.

De acordo com o boletim Infogripe da Fiocruz, atualizado dia 02 de setembro, assistimos a uma interrupção da tendência de queda de casos de síndrome respiratória grave no estado do Rio de Janeiro. Além disso, há um sinal de forte crescimento da tendência de longo prazo no estado (últimas seis semanas), divulgado pelo mesmo boletim. Na 46ª edição do Mapa de Risco da Covid-19, divulgado no dia 01 de setembro, pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), o estado do Rio voltou a ter um risco baixo de contágio, retomando a bandeira amarela, depois da edição anterior ter mostrado um risco moderado de contágio (bandeira laranja). Ainda assim, a região metropolitana I – onde ficam 4 campi do Cefet-RJ –, apresenta risco alto (bandeira vermelha), e a região serrana – onde existem dois campi do Cefet-RJ –, apresenta risco moderado (bandeira laranja). Diante dessas informações, consideramos precipitada a retomada de atividades presenciais – que já aconteceu nas redes estadual e municipal, e nas escolas particulares – sem ter como critério uma curva de contágio em declínio e níveis de incidência da doença em baixa. Deveria, ao menos, no caso das escolas já em funcionamento, haver uma flexibilidade no planejamento da retomada considerando novas fases de transmissão e novas evidências científicas. O aumento de casos, como está acontecendo agora, seria motivo para repensar essa reabertura precipitada, e não para pressionar outras instituições a retomar as atividades presenciais. Lembrando ainda que 80% dos alunos do ensino básico estão em escolas públicas, muitas das quais sucateadas, onde temos salas pequenas e superlotadas, sem ventilação adequada, banheiros sem estrutura mínima e outros inúmeros problemas que estudantes e trabalhadores conhecem bem e denunciam recorrentemente.

Se, conforme os procuradores afirmam a ação civil , a retomada das atividades presenciais deve obedecer à análise de risco epidemiológico, acreditamos que o cenário atual de interrupção da queda de casos, de sinal forte de tendência de longo prazo no estado, e de risco moderado e alto de contágio em municípios onde o Cefet-RJ têm campi, indicam que não existem condições satisfatórias para a reabertura das escolas. Com relação aos campi do Cefet-RJ, os alunos matriculados são oriundos de diversas localidades, muitas das quais distantes da escola, o que impõe grandes deslocamentos para frequentar a escola, utilizando o transporte público precarizado. Diante disso, a abertura da escola contribuirá de forma significativa para o aumento de casos de contágio e mortes diárias e de reinfecções, uma vez que a circulação cada vez maior de pessoas faz aumentar a transmissibilidade do vírus, as mutações e a circulação de novas variantes entre a população em geral.

Além disso, conforme aponta a Resolução Conjunta SEEDUC/SES nº 1.569, de 12/08/2021, o retorno presencial da totalidade dos alunos seria possível apenas nas bandeiras verde e amarela. Sem as condições para o retorno da totalidade dos estudantes, as atividades seriam mantidas na modalidade remota para contemplar todos os discentes. Atualmente, o Cefet-RJ não dispõe de um quadro de professores suficiente para manter atividades remotas e presenciais paralelamente, e nem condições estruturais para a transmissão de aulas presenciais para aqueles que estiverem na modalidade remota. Logo, não basta apenas cobrar das instituições de ensino que retomem as atividades presenciais sem discutir sobre o orçamento necessário para o aumento de quadros de professores.

Além de indicadores epidemiológicos, da elaboração de um plano de biossegurança e da garantia de recursos orçamentários para a readequação de espaços comuns nas escolas, a retomada das atividades presenciais também deve ter como critério o plano de vacinação completo, além das novas evidências científicas sobre o vírus. Outro elemento importante para discutir a retomada é a necessidade de uma comunidade escolar consciente e engajada. A reabertura das escolas não pode estar pautada pela decisão unilateral de procuradores que desconhecem a realidade de estudantes e trabalhadores de educação e as condições precárias da maioria das escolas públicas brasileiras. No contexto atual, visto o aumento de casos, deveríamos pensar em mitigar as desigualdades educacionais, ampliar as ações de assistência estudantil, incluindo oferta de serviço pedagógico e psicológico, e um plano para garantir a alimentação dos estudantes mesmo no período em que eles se encontram fora da escola.

Vale ressaltar também que as instituições federais de ensino deveriam ter sua autonomia respeitada para deliberar sobre a retomada das atividades presenciais. A ação civil pública dos procuradores Fábio Moraes de Aragão e Maria Cristina Manella Cordeiro desrespeita essa autonomia ao sugerir uma data para a retomada desconsiderando as peculiaridades das instituições de ensino e as demandas da comunidade escolar. Mesmo em um documento como a Portaria Interministerial nº 5, de 4 de agosto de 2021, que trata sobre o retorno presencial, há uma menção de que essa modalidade só pode ser retomada obedecendo, dentre outros critérios, a “autonomia das redes de ensino para organização de seu sistema” (caput do art. 2º da Portaria).

Conforme foi deliberado na 203º Assembleia Geral Extraordinária da ADCEFET-RJ realizada, no dia 02 de março de 2021, os professores da instituição se posicionaram pela necessidade de um plano de vacinação completo para estudantes e trabalhadores de educação como condição para a reabertura das escolas. Continuamos reiterando essa necessidade para a retomada das atividades presenciais, além da garantia de condições de trabalho para a segurança de estudantes e de todos os trabalhadores de educação. Atualmente, os professores do Cefet-RJ vêm atuando no período de pandemia, garantindo o direito à educação a despeito das adversidades e do total descaso do Ministério da Educação na condução de políticas voltadas para a garantia de condições mínimas de estudo para discentes de todo o país.

Por fim, a manutenção das atividades de ensino por meio da modalidade remota – como tem ocorrido atualmente – já exigiu a elaboração de um calendário específico e o planejamento por parte de professores, incluindo a elaboração de aulas, materiais didáticos e avaliações adaptados ao modelo não presencial. Sendo assim, a interrupção da modalidade remota já com o ano letivo de 2021 em andamento iria causar mais prejuízos aos alunos, visto que mesmo com a volta das aulas presenciais, os estudantes teriam que se adaptar novamente a uma mudança de rotina na vida escolar como a possibilidade de ensino híbrido e com as novas dinâmicas que serão impostas nas escolas para evitar contágios.

Tendo em vista, portanto, os pontos até aqui destacados, sugerimos a retomada das atividades presenciais no início do ano letivo de 2022, em abril, condicionada ao acompanhamento da evolução do quadro epidemiológico da pandemia de Covid-19 e a garantia de condições de biossegurança adequadas às estruturas que cada campi nos quais o Cefet-RJ atua.

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