Por que gerar pânico nas escolas fortalece a ideologia do capital militarizada?

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por Guilherme Xavier Santana1

Nas últimas semanas aconteceram alguns ataques e ameaças às escolas em diferentes partes do Brasil. Mortes de professoras e estudantes foram infelizmente ocasionadas por uma onda de violência que tem crescido de forma exponencial no país. E já deixou de ser algo corriqueiro ou fatos isolados. Em nossas pesquisas verificamos que somente em 2022 e 2023, o número de ataques em escolas no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores, segundo pesquisadores. Telma Vinha (pesquisadora da UNICAMP) revela que aconteceram 22 ataques entre 2002 e 2023, sendo 10 deles nos últimos dois anos. Tais estudos também apontam que os agressores são em geral jovens (10 a 25 anos), do sexo masculino.2

Vale lembrar e reforçar que alguns estudos apontam que muitos desses jovens que tem atacado as escolas estão sendo influenciados diretamente por grupos de extrema direita que atuam nas redes sociais (de forma aberta ou em redes clandestinas, as chamadas Deep Web). Alguns fatores podem explicar esse avanço da influência desses grupos em relação aos jovens: 1) os diversos governos de extrema direita que ganharam eleições pelo mundo. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi apenas um deles, pois o avanço da direita radical tem acontecido politicamente de forma oficial também na Hungria, Turquia, Filipinas, Estados Unidos, França, Itália, Israel, dentre outros locais; 2) o notório crescimento de grupos neonazistas no país. Só no Brasil há 530 núcleos extremistas no país, reunindo até 10 mil pessoas segundo pesquisas realizadas pela antropóloga Adriana Dias. Além disso, houve um crescimento de 270% dessas células neonazistas no país entre 2020 e 20223; 3) o estímulo e avanço do número de armas circulando na sociedade após medidas do último governo do Brasil. Os números são alarmantes segundo alguns estudos. Sob a presidência do ex-capitão reformado do exército houve a liberação de 691 armas por dia para os chamados CACs (grupo formado por caçadores, atiradores e colecionadores) e foram ao todo 904.858 registros para aquisição de armas entre 2019 e 2022, indicam dados do Exército via lei de acesso à informação4.

Junto a isso temos uma conjuntura de descaso absoluto em diversas escolas das redes públicas em todo país. Enquanto educador da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro posso enumerar alguns dos diversos problemas que encontramos no cotidiano: 1) a péssima estrutura física da maioria das escolas para as atividades gerais que uma escola precisa ter; 2) a questão econômica da rede que profissionais enfrentam se encontra na seguinte situação: pior salário base entre todas as redes estaduais do país, indo para nove anos sem reajuste salarial e o não pagamento do piso do magistério. Esses dois últimos elementos já são pautas ganhas no Superior Tribunal Federal (STF) e o governo precisa apenas cumprir, mas infelizmente não é o que acontece; 3) a falta ou carência de funcionários básicos como quadros administrativos, porteiros e inspetores nas escolas; 4) a ausência de concurso público para cobrir essa carência de funcionários e a defasagem de docentes nas mais variadas disciplinas; 5) o não investimento em setores importantes como pessoas da psicopedagogia e assistência social para acompanhar casos complexos que existem no dia a dia das unidades escolares.

Somado a esse cenário catastrófico da rede pública estadual temos também uma reforma do ensino médio que tem atropelado diversas questões pedagógicas e políticas dentro e fora da sala de aula. A insatisfação com relação ao Novo Ensino Médio (NEM) é praticamente unânime por todas as partes que se envolvem diretamente com as escolas estaduais do Rio de Janeiro e creio que isso se estende por todo território do país.

É importante dizer que no Brasil ainda temos uma frágil regulação e um inicial avanço de captura desses grupos neonazistas que atuam virtualmente. Há monitoramento mas os mecanismos de cercar e minar jeitos que façam com que esses grupos tenham menos atuação e influência, tem sido insuficientes. E é justamente nesse momento que temos diversos problemas conjunturais nas escolas públicas de maneira generalizada e avanço da extrema direita no mundo real e virtual, é que estamos assistindo o aumento dos ataques às escolas.

A sanha punitivista de setores reacionários tem se exaltado com os últimos ataques nas unidades escolares e de forma oportunista alguns desses representantes como o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, declarou no fim do mês de março que está estudando de colocar policiais da reserva de forma permanente em escolas estaduais. O pronunciamento oficial aconteceu após o ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, Zona Oeste da capital paulista, matando uma professora e deixando alunos feridos.

Outros governadores, como o do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, também tem adotado o discurso de colocar mais policiais nas escolas. Até o próprio presidente Luís Inácio Lula da Silva adotou a medida de liberar 150 milhões de reais para investir em rondas escolares por todo o país.

Alerto para o perigo que esse discurso e medidas podem ter a médio prazo para conter a violência nos ambientes escolares. Como dito antes falta quase tudo nos colégios: desde estrutura física até ausência de funcionários administrativos e docentes nas disciplinas. Dito isso é fundamental dizer que à segurança das comunidades escolares necessitam de profissionais nas escolas como inspetores, porteiros e mais funcionários/as administrativos.

Precisamos também de psicopedagogas e assistentes sociais. Além de professoras e professores nas matérias ausentes na grade horária de várias escolas. Medidas como essas podem sim diminuir a evasão escolar. Para isso é importante investimento pesado em concursos nessas áreas como política pública emergencial. Revogar a reforma do ensino médio também é uma medida central que retoma estratégias como a volta ao currículo anterior, e o aumento de carga horária em disciplinas como sociologia e filosofia que abarcam assuntos críticos que geram reflexão, politizam temas fundamentais e avança no debate sobre racismo, questões de gênero e a própria violência urbana, por exemplo.

Reforçamos por fim que as escolas não precisam de policiais ou agentes de segurança pública para monitorar os casos de violência. Isso são meras medidas paliativas que podem instantaneamente garantir uma sensação de segurança mas com o passar do tempo os efeitos podem ser de perseguição a docentes e funcionários que não concordam com a lógica militarista, assédios sexual e moral que estudantes venham a sofrer, fora os diversos tipos de constrangimentos que podem acontecer tendo um policial diante de vários jovens pobres, negros e oriundos de periferias.

Defendemos que a comunidade escolar é a mais capaz de conter esses tipos de comportamentos violentos, com mais funcionários, adotando medidas pedagógicas, atividades culturais, debates e reflexões políticas sobre o momento, e não de falas ou discursos policialescos como temos observado.

Para finalizar digo que a escola pública faz parte e reproduz parte das diversas formas e discursos de violência que temos na sociedade, mas acreditamos que ela é um espaço de transformação social e que possui um potencial de frear essa lógica armamentista. Afinal, pode ser até é clichê mas é real dizer que estamos lidando com o tal “futuro do país” e se não disputarmos as novas gerações é melhor desacreditar de tudo.


[1] Doutor em História Comparada (UFRJ); Mestre em Educação (UFRJ); Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais (UFRJ); Professor de Sociologia da Rede Estadual do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ); Educador Popular do Pré Vestibular Comunitário Machado de Assis do Morro da Providência; Pesquisador do Coletivo de Pesquisas Decoloniais e Libertários da UFRJ (CPDEL-UFRJ); Editor da Revista Estudos Libertários da UFRJ (REL-UFRJ).

[2] https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckryl4epnpeo

[3] https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/01/16/grupos-neonazistas-crescem-270percent-no-brasil-em-3-anos-estudiosos-temem-que-presenca-online-transborde-para-ataques-violentos.ghtml

[4] https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/19/governo-bolsonaro-liberou-em-media-619-novas-armas-por-dia-para-cacs-47percent-dos-registros-foram-em-2022.ghtml

[5] https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/tarcisio-estuda-colocar-policiais-da-reserva-de-forma-permanente-em-escolas-de-sp/