ANÁLISE JURÍDICA – PROPOSTA DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA DO GOVERNO TEMER – GRAVES PERDAS DE DIREITOS

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Pela Assessoria Jurídica – Boechat e Wagner Advogados Associados

O Governo Temer passou boa parte de 2016 atravessando pela grande mídia a sua proposta de reforma da previdência social, atrelada à ideia de que há um “rombo na previdência pública” (para um contraponto a essa tese, vale consultar os textos da Auditoria Cidadã da Dívida – www.auditoriacidada.org.br). Além de dar justificativa à proposta, a intenção da enxurrada de propagandas do Governo é, acima de tudo, criar um clima de conformação com o seu conteúdo.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 287/2016) que pretende alterar a previdência social foi enviada ao Congresso Nacional no final de 2016, nas vésperas do recesso do Poder Legislativo, e, até a elaboração deste informativo, não teve modificações, recebendo apenas o parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.

Em termos de processo legislativo, a PEC será agora analisada por uma Comissão Especial que debaterá o mérito das propostas e, depois, pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Para entrar em vigor, a Proposta deve ser aprovada em dois turnos de votação tanto na Câmara, quanto no Senado.

Chama atenção o esforço do Governo Temer de criar conformismo com as suas propostas. Aparentemente, há um clima generalizado de que a Reforma da Previdência do Temer já são favas contadas ou que o jogo está perdido antes mesmo do início da partida.

Sabe-se da maioria governista no Congresso Nacional, dos verdadeiros interesses da Reforma da Previdência, das dificuldade da conjuntura política e da necessidade de travar outros debates para além das investigações sobre corrupção. Contudo, a Reforma da Previdência do Governo Temer não está consumada, ela terá ainda a sua tramitação e todas as propostas colocadas para apreciação do Congresso podem ser alteradas, ou mesmo suprimidas, ao menos para atenuar os impactos na vida do trabalhador.

Para combater essa reforma, em primeiro lugar, é necessário tomar conhecimento das propostas e de como elas vão usurpar direitos conquistados desde os primórdios da instituição da previdência pública no Brasil. Cabe ao movimento sindical e demais movimentos sociais organizados avançar na luta pela proteção de direitos do trabalhador e da seguridade social.

Com esse objetivo, elencamos 12 pontos que mostram como ficará a previdência social do servidor público no Brasil se as propostas do Governo Temer não forem resistidas.

1- APOSENTADORIA DO SERVIDOR SOMENTE APÓS COMPLETAR 65 ANOS DE IDADE E 25 DE CONTRIBUIÇÃO – HOMEM E MULHER

A PEC 287 elimina a modalidade de aposentadoria voluntária por tempo de contribuição (30 ou 35 anos de contribuição cumulada com 55 ou 60 anos de idade, para mulheres e homens, respectivamente). Em seu lugar, deixa apenas a aposentadoria voluntária aos 65 anos de idade, critério utilizado igualmente para homens e mulheres, sendo necessário que o servidor possua, ao menos, 25 anos de contribuição, além de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria.

Assim, a proposta do Governo Temer exclui a aposentadoria voluntária por idade, que era proporcional ao tempo de contribuição vertido pelo servidor. Caso seja aprovada, o titular de cargo efetivo não mais poderá se aposentar por idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, o que força aqueles que não completem o tempo mínimo de 25 anos contributivos a permanecerem em serviço até completar os 75 anos de idade, momento da aposentadoria compulsória.

2- AUMENTO DA IDADE, ACIMA DE 65 ANOS PARA APOSENTADORIA, QUANDO APURADO AUMENTO NA EXPECTATIVA DE VIDA DO BRASILEIRO

Você acha que aposentar somente aos 65 anos de idade já é um ABSURDO? Pois bem, a proposta de Temer prevê que a idade mínima de 65 anos da aposentadoria voluntária e a idade mínima de 75 anos da aposentadoria compulsória poderão ser alteradas sempre que se verificar aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira. Assim, caso se perceba que a expectativa de sobrevida aumentou em um ano inteiro, a idade mínima da aposentadoria voluntária e a máxima da compulsória também poderão ser majoradas.

3- PEDÁGIO – SERVIDOR COM MAIS DE 50 ANOS VAI TER QUE TRABALHAR O DOBRO DO TEMPO QUE FALTA PARA A APOSENTADORIA

A proposta prevê um “pedágio” para os servidores que possuem mais de 50 anos de idade (homens) e 45 anos de idade (mulheres) e que ingressaram em cargo de provimento efetivo até a data de promulgação da Emenda. O pedágio correspondente a 50% do tempo que, na data de publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de 35 (homem) ou 30 (mulher) anos de contribuição

Ainda como regra de transição, para os que possuírem a idade tida como marco referencial (50/45), serão aplicados os seguintes parâmetros:

– servidores com ingresso anterior à 16 de dezembro de 1998 (EC 20) poderão optar pela redução da idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) em um dia de idade para cada dia a mais de contribuição que exceder o mínimo estabelecido (35/30);

– servidores com ingresso anterior à 31 de dezembro de 2003 (EC 41) poderão se aposentar com a totalidade da remuneração de seu cargo (integralidade) e seus proventos serão revistos de acordo com o critério de reajuste dos servidores ativos (paridade);

– servidores com ingresso a partir de 1º de janeiro de 2004 (EC 41) irão se aposentar ganhando a média aritmética de remunerações utilizadas como base para as contribuições e seus proventos serão revistos apenas para preservar o valor real.

4- 49 ANOS DE TRABALHO PARA RECEBER O TETO DA PREVIDÊNCIA (2017 – R$ 5.578,00)

Para o servidor que ingressar no serviço público a partir da publicação da Emenda Constitucional proposta por Temer, o valor a ser pago de aposentadoria não poderá ser superior ao teto máximo estabelecido no Regime Geral de Previdência Social (2017 – R$ 5.578,00). No âmbito federal, essa regra já vigora para aqueles que ingressaram no serviço público a partir de 04 de fevereiro de 2013, que somente poderão ganhar mais do que isso se aderirem à previdência complementar.

Mas a proposta de Temer é muito mais grave. Ela acrescenta que, na aposentadoria voluntária, o valor do benefício será composto de 51% da média dos salários que serviram de base para as contribuições, acrescidos de 1% (um ponto percentual) sobre essa média para cada ano que o servidor tiver de tempo de contribuição.

Considerando que a aposentadoria será concedida somente se o servidor possuir, no mínimo, 25 anos de contribuição e 65 anos de idade, a aposentadoria será calculada com 51% acrescidos de 25% (correspondente ao tempo de contribuição), alcançando 76% da média.

Por exemplo, considerando o teto atual da previdência, fixado para 2017, no valor de R$ 5.578,00, o benefício de um servidor que possuir, no mínimo, 25 anos de contribuição e 65 anos de idade, corresponderá ao valor de R$ 4.239,28 ou seja 76% sobre o teto da previdência.

Se, todavia, o servidor possuir 30 anos de contribuição, seu percentual será de 81% da média (51% mais 30%). Logo, para alcançar o percentual máximo da média (100%), o servidor precisará ter 49 anos de contribuição (51% mais 49%).

Resumindo: para receber o equivalente ao Teto da Previdência, em 2017 no valor de R$ 5.578,00, o servidor terá que ter ao longo de sua trajetória no serviço público federal: salário de contribuição em valor igual ou superior ao Teto da Previdência (2017 – R$ 5.578,00), além de contribuir por 49 anos.

5- REDUÇÃO DRÁSTICA NOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, SOMENTE AOS 75 ANOS DE IDADE

A proposta de Temer unifica a aposentadoria compulsória somente aos 75 anos de idade e faz a apuração do valor dos proventos através de duas etapas:

1ª) será igual à divisão do tempo de contribuição que o servidor tiver por 25 anos, limitado a 1 (um) inteiro. Exemplo: servidor com 15 anos de contribuição aos 75 anos de idade, o seu divisor será de 0,6 (15 dividido por 25).

2ª) será igual à apuração de sua média multiplicada pelo divisor. Exemplo: com 15 anos de contribuição corresponderão a uma média de 66% (51% mais 15%). Esse resultado será, então, multiplicado pelo divisor, que nesse exemplo, corresponde a 0,6.

Exemplo em números: servidor com 75 anos de idade e 15 anos de contribuição. Média Teto da Previdência atual = R$ 5.578,00. Multiplica-se esse montante pelo percentual da média, 66%, que resulta em um valor de R$ 3.681,48. Entretanto, esse valor será ainda multiplicado pelo divisor, aqui de 0,6, que resultará numa aposentadoria com renda mensal de R$ 2.208,88.

6- APOSENTADORIA DECORRENTE DE DOENÇA GRAVE NÃO SERÁ MAIS INTEGRAL, SE DECORRENTE DE ACIDENTE NO TRABALHO FICARÁ EM 100% DA MÉDIA DO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO

O Governo Temer quer alterar até o nome da aposentadoria por invalidez, que na proposta passa a ser chamada de aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho, condicionando a sua concessão à impossibilidade de readaptação. As aposentadorias por invalidez decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável não estão mais previstas como hipóteses diretas de aposentadoria, o que pode significar que toda e qualquer causa de incapacidade permanente implique na prévia análise de readaptação do servidor.

Em relação ao valor dos proventos, além dele sofrer a limitação ao teto do benefício pago pelo Regime Geral de Previdência Social (2017 = R$ 5.578,00), ele passará a ser proporcional ao tempo de contribuição em todas as hipóteses, exceto se a incapacidade permanente for decorrente de acidente do trabalho, quando o valor do benefício será correspondente a 100% da média de remunerações utilizadas como base das contribuições.

Caso a incapacidade não decorra de acidente no trabalho, o servidor terá direito a receber 51% da média das remunerações e dos salários de contribuição que foram utilizados como base para as suas contribuições, acrescido de 1% para cada ano que o servidor tiver de contribuição.

Exemplos: se o servidor tiver 2 anos de contribuição no momento da incapacidade, poderá receber 53% da média (51% mais 2%); se 10 anos, 61% da média (51% mais 10%); se 30 anos, 81% da média (51% mais 30%), e assim a depender do caso concreto.

A doença grave não implicará mais em uma aposentadoria integralizada ou, no modelo que se pretende adotar, de 100% da média.

7- IMPOSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE PENSÕES E DE APOSENTADORIA COM PENSÃO

Suprimindo mais direitos, a proposta define a impossibilidade de acumulação de mais de uma pensão por morte, deixada pelo mesmo cônjuge ou companheiro, em regimes previdenciários distintos. Isto é, não será possível receber do mesmo falecido duas pensões, sendo uma do Regime Geral (INSS) e outra do Regime Próprio do Servidor. O pensionista será instado a fazer opção. Também passa a ser vedada a percepção de pensão por morte com aposentadoria, entre quaisquer dos regimes previdenciários, inclusive de entes federativos distintos e entre o regime próprio e o regime geral.

A princípio, a proposta do Governo Temer não veda o caso dos pensionistas que se casam com outra pessoa e que passam a ser beneficiários em virtude de novo falecimento. Também não há vedação de percepção de aposentadorias decorrentes de exercício concomitante de atividades no Regime Próprio do Servidor e no Regime Geral (serviço público e iniciativa privada, por exemplo), a despeito de se vedar a percepção conjunta de aposentadorias concedidas por regimes próprios de entes federativos distintos (servidor da União e do Estado, por exemplo), ressalvados os casos de aposentadorias oriundas de cargos acumuláveis (direito conferido aos docentes e profissionais da área de saúde, por exemplo).

8- INSTITUIÇÃO DE COTA NO CÁLCULO DA PENSÃO POR MORTE – POSSIBILIDADE DE SER APURADA EM VALOR MENOR QUE O SALÁRIO MÍNIMO

Na pensão por morte também há proposta de alteração. A ideia é que seja concedida em uma cota familiar de 50% sobre a totalidade dos proventos do servidor aposentado falecido ou do mesmo percentual sobre o valor da aposentadoria a que ele teria direito, caso não estivesse aposentado ainda, ambos limitados ao valor máximo do benefício pago pelo Regime Geral de Previdência Social (INSS). Esse percentual será acrescido de 10% para cada dependente que o servidor deixar, limitado a 100%. Além disso, a PEC prevê que a pensão por morte poderá ser inferior ao valor do salário mínimo, o que é uma incongruência inconstitucional.

9- MESMO EM ATIVIDADES ESPECIAIS (INSALUBRES, PERIGOSAS OU PENOSAS) O SERVIDOR DEVERÁ TRABALHAR MAIS TEMPO

A proposta do Governo Temer também quer alterar a aposentadoria especial, excluindo a possibilidade de aposentadoria pelo exercício de atividade de risco (perigosas). Para os servidores públicos que exerçam suas atividades sob condições especiais, o texto propõe que essas atividades sejam, efetivamente, prejudiciais à saúde do servidor, vedando a sua caracterização pela mera categoria profissional ou pela ocupação.

A proposta também prevê que esses servidores não mais se aposentarão pelo critério até então sedimentado pela doutrina, que reconhecia o direito à aposentadoria especial pelo implemento do tempo máximo de 25 anos (a depender da atividade), mas se aposentarão por critério similar ao adotado nas aposentadorias por idade.

A PEC prevê que o servidor submetido a condições especiais e o servidor deficiente somente poderão reduzir em 10 anos sua idade mínima e em 5 anos o tempo de contribuição, o que corresponde a 55 anos de idade e 20 de contribuição.

10- ABONO DE PERMANÊNCIA TRÁS INCERTEZA QUANTO AO VALOR A SER PAGO E SERÁ CONCEDIDO DENTRO DAS REGRAS NOVAS PARA APOSENTADORIA

A proposta do Governo Temer prevê a manutenção do abono de permanência para aqueles que, tendo completado os requisitos para uma aposentadoria voluntária (aos 65 anos de idade e 25 anos de contribuição), se mantiverem em atividade, parcela que será equivalente a, no máximo, o valor de sua contribuição previdenciária. Ou seja, o servidor que se enquadrar nessa hipótese poderá receber o abono de permanência pelo período de até 10 anos (dos 65 aos 75 anos).

A expressão “no máximo” trás uma incerteza quanto ao valor a ser pago a título de abono de permanência, que na regra atual equivale ao valor da contribuição previdenciária. É possível que, depois da PEC, Temer avance ainda mais sua reforma mudando a legislação para aumentar a alíquota da contribuição previdenciária de 11% para 14%, mas mantenha “congelado” o valor do abono de permanência.

11- APOSENTADO NAS NOVAS REGRAS NÃO CONTRIBUIRÁ PARA A PREVIDÊNCIA, MAS TAMBÉM NÃO RECEBERÁ PROVENTOS ACIMA DO TETO (2017 – R$ 5.578,00)

A proposta do Governo Temer também retira da Constituição a previsão de contribuição do servidor aposentado. Mas isso não é nenhuma uma benesse, já que as aposentadorias e pensões passarão a ser limitadas ao teto do benefício pago pelo Regime Geral de Previdência Social (INSS) e sobre o valor do teto já havia isenção contributiva, somente havendo desconto sobre o valor que excedia o teto.

12- EM CONSONÂNCIA ÀS DECISÕES DO STF E DA DOUTRINA JURÍDICA BRASILEIRA, HÁ RESPEITO À DIREITO ADQUIRIDO AOS QUE IMPLEMENTARAM OS REQUISITOS PARA APOSENTADORIA NAS REGRAS EM VIGOR

Aos servidores que já tenham cumprido todos os requisitos necessários para obter uma aposentadoria ou que os dependentes já tenham se elegido ao benefício de pensão por morte, seja ela integral ou proporcional, por tempo de contribuição, compulsória, invalidez ou idade, a PEC ressalva que será garantida a aplicação do regramento existente na data da elegibilidade do benefício, inclusive quanto à forma de cálculo, desde que essa data seja anterior à promulgação da PEC.

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