Riscos e contradições do PL de transformação dos CEFETs em universidades tecnológicas
- O que é o PL 5102/2023?
É o Projeto de Lei que propõe transformar o CEFET-MG e o CEFET-RJ em Universidades Tecnológicas. Para ser aprovado, o PL precisa passar por quatro comissões na Câmara dos Deputados: Administração e Serviço Público; Educação; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça e de Cidadania. Ele já foi aprovado pelas duas primeiras comissões, com algumas ressalvas, sem que tenha ocorrido, até agora, uma audiência pública para debater sobre as ameaças e contradições que estão presentes no Projeto de Lei.
- O PL 5102 foi discutido previamente nas comunidades dos CEFETs?
Não! As comunidades dos CEFETs jamais foram consultadas sobre o PL. Não houve diálogo algum! O texto do PL foi elaborado pela Direção Geral do CEFET-MG e entregue ao Deputado Patrus Ananias, que o encaminhou à Câmara dos Deputados, também sem averiguar a posição das comunidades cefetianas. As comunidades dos dois CEFETs foram surpreendidas pela apresentação do PL em 2023. Após a apresentação do PL, a Direção Geral do CEFET-RJ aderiu à ideia, também sem consulta à sua comunidade. Os grupos gestores dos dois CEFETs argumentam que a demanda é “histórica” e o Deputado Rogério Correia (PT-MG), que deu parecer favorável ao PL na Comissão de Administração e Serviço Público, afirmou que “há amplo consenso na comunidade” dos CEFETs para essa transformação. Porém, isso não é verdade! Houve discussões acerca da transformação dos CEFETs em Universidades Tecnológicas há mais de 20 anos! Nesse tempo, o corpo discente foi totalmente renovado, centenas de servidores se aposentaram e outras centenas ingressaram nos CEFETs, e o contexto da educação pública federal se modificou. A comunidade atual não foi ouvida.
- Há garantias no PL para a continuidade da oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM)?
Para a continuidade de oferta de EPTNM, é necessário que o PL 5102/23 contemple a existência de “Banco de professor-equivalente” para a carreira EBTT, garantindo, assim, que as vagas dos professores que se aposentarem, falecerem ou pedirem exoneração sejam realocadas e não perdidas, como aconteceu com o antigo CEFET-PR ao se transformar em UTFPR.
Nos preocupa que a ausência desse banco reforce tendências já observadas nos dois CEFETs nas duas últimas décadas, onde houve um crescimento maior da graduação e da pós-graduação – quando comparadas as matrículas nesses segmentos com as da EPTNM -, o que traria impacto negativo, sobretudo, no acesso dos filhos da classes menos favorecidas da nossa sociedade a uma educação gratuita e com excelência na educação de nível médio, onde costuma se verificar a primeira grande barreira à continuidade da trajetória escolar da juventude brasileira. Outra preocupação quanto à continuidade da oferta EPTNM diz respeito ao parecer aprovado pela Comissão de Educação da Câmara em dezembro de 2024, que, na prática, prevê que as futuras universidades não farão parte da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica.
Número de estudantes matriculados no CEFET-MG (2000 e 2023), a partir de dados disponíveis em www.cefetmg.br.
Número de estudantes matriculados no CEFET-RJ (2005 e 2023), a partir de dados disponíveis nos Relatórios de Gestão e na Plataforma Nilo Peçanha.
- Há experiências de criação de Universidades Tecnológicas no país?
A UTFPR é fruto da transformação do antigo CEFET-PR em universidade, ocorrida em 2005. Esse processo não veio acompanhado da garantia do banco de professor-equivalente para a carreira EBTT. Além disso, a UTFPR não foi incluída nos decretos presidenciais que estabeleceram posteriormente o banco EBTT para outras universidades <https://tinyurl.com/Decreto8260>. Com isso, ocorreu uma redução de cerca de 32% do quadro EBTT (1083 docentes em 2009 para 733 em 2024. Fonte: https://tinyurl.com/EstudoUTF). Essa redução no quadro EBTT criou uma grande pressão estrutural na UTFPR para que a instituição reduzisse, ao ponto de quase extinção, a oferta da EPTNM, uma vez que docentes do Magistério Superior (segmento que cresceu de 233 para 1703 servidores entre 2005 e 2024) não atuam na educação básica, ao contrário da carreira EBTT, que permite atuação verticalizada, da educação básica ao ensino superior. No auge da oferta de matrículas na EPTNM, a UTFPR possuía, em 2010, 3486 estudantes matriculados nesse segmento. Em 2023, a UTFPR possuía somente 111 estudantes na educação básica, perfazendo uma redução de 97% na oferta (Fonte: https://tinyurl.com/EstudoUTF)
- A transformação em UTF trará mais orçamento?
Não necessariamente. A justificativa que acompanha o PL prevê que não haverá impacto orçamentário na criação das universidades. Ao mesmo tempo, os defensores do projeto argumentam, em outros espaços, que a transformação trará um aumento de orçamento. Além de contraditória, essa previsão não considera a longa crise de subfinanciamento que atinge a educação federal, inclusive as universidades federais, sobretudo em tempos de políticas de ajuste fiscal na execução do orçamento público.
- Por que transformar os CEFETs em universidades tecnológicas e a que interesses essa transformação atende?
A transformação dos CEFETs em UTFs abre uma grande possibilidade de ataque à continuidade da EPTNM, pois não há, no PL, garantia de manutenção de um banco de professor-equivalente para a carreira EBTT. A médio e longo prazo pode haver uma escassez de vagas, o que inevitavelmente irá precarizar o atendimento às demandas da EPTNM. O Deputado Federal Rogério Correia, em uma das sessões da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, chegou a dizer que a tendência da nova instituição (UTF) era estar voltada para os cursos superiores, pois em Minas Gerais, por exemplo, a demanda de matrículas nos cursos técnicos poderia ser transferida para o novo campus da IFMG que estava em fase de implantação na região do Barreiro, em Belo Horizonte!
Esse modelo (UTF) é uma “universidade especializada por campo de saber” (LDB, Art. 52, parágrafo único). Por que adotarmos esse modelo de instituição, que não condiz com a diversidade de campos de saber presentes nos CEFETs?
Esse PL, da forma como foi apresentado, atende aos interesses de quem almeja uma instituição com cada vez menos cursos técnicos, que hoje atende estudantes de classes mais populares, permitindo a elas o acesso a uma estrutura educacional nem sempre disponível nas redes estaduais.
ASSINAM ESTE DOCUMENTO: